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ARTIGOS

Wicca: Tens a certeza de que queres ser iniciado?

Autor: Eduardo Puente

(Nota ao leitor: Sempre que se use a palavra Wicca, faz-se referência exclusivamente à Wicca
Tradicional)

Diálogo preliminar:
Aspirante: Tenho lido sobre Wicca, e identifico-me com a religião. A Wicca é o que eu sempre quis. Quero ser iniciado.
Suma Sacerdotisa: (Olha-o, respira profundamente, tentando “ler” tudo quanto é possível nesse momento, suspira e finalmente diz:) Tens a certeza?


Com este diálogo começa este ensaio, um diálogo que, de uma forma ou outra, tem sido guia de todas as Suma Sacerdotisas ou Sumo Sacerdotes e assim continuará (a fazer parte) no futuro. Este texto tem a intenção (e vou ser bem claro) de desmotivar todos aqueles que querem ser “Wiccans”. Quero falar ao leitor sobre alguns tópicos que usualmente não se discutem nos livros, principalmente nos que os Aspirantes lêem no início. Vou mover-me contra a corrente e tentar refletir, de maneira direta, nos desafios e adversidades que poderia encontrar no caminho da Wicca Tradicional. Não falarei de como é linda e maravilhosa a Wicca, mas sim sobre o seu lado escuro e, ao falar disto, poderão ser criadas desilusões. A maioria dos poemas sobre a Lua, falam da sua luz e da sua beleza no céu escuro e estrelado. Poucos falam da frieza, da escuridão perene, das suas mentiras e facetas escondidas, dos falsos sonhos e das ilusões que tentam a sanidade. Desmotivará muitos, mas creio também, que será uma resposta para alguns.

Declaração Desmotivadora # 1.
A Wicca não é para todos.

Sim, eu sei, todos temos lido que a Wicca é uma religião preciosa, que a Wicca é o contato com a natureza e que a Deusa e/ou o Deus nos acolhem a todos de braços abertos. Mas isto não é assim… nunca foi e nunca será! Se a Wicca consistisse unicamente em prestar culto aos Deuses, então não seriam necessárias metade de todas as coisas que se praticam, estudam ou exploram em Wicca. A Wicca é um caminho iniciático no qual o indivíduo, desde o primeiro momento, começa uma viagem Sacerdotal. Um caminho que busca, através de uma série de processos e transformações, conectar o Homem com o “divino”.

O caminho iniciático é um caminho de transformações e revoluções e, regra geral, a última coisa que as pessoas querem nas suas vidas são transformações. O iniciado em busca da Divindade e da comunhão com os Deuses tem, de enfrentar os seus próprios problemas. Toda a transformação começa dentro de cada um de nós. Recorda a velha frase: “Homem, conhece-te a ti próprio e conhecerás o Universo e os Deuses”. É assim, tão simples: tudo começa dentro de ti. Quando as transformações começam, o que terás de enfrentar serão os teus próprios demônios. Só assim te aperceberás do que te rodeia. Somente dentro de ti conhecerás os Deuses, mas, para alcançar este ideal, “há que estar purificado”.

Os Deuses irão testar-te, jogarão contigo de maneiras incríveis e imprevisíveis. Por quê? Não é porque os Deuses sejam super poderosos e donos da nossa existência, mas porque tu decidiste começar o caminho iniciático; tu aspiraste ser Sacerdote/Sacerdotisa; tu decidiste que o caminho das transformações e mutações é aquele que queres percorrer. Considerando de forma simples: tu deste poder e autoridade aos Deuses ao querer conectar-te com Eles, para que mudem a pessoa que és. Isto é o que farás se decidires entrar no caminho da Wicca Tradicional.

Declaração Desmotivadora # 2.
Uma das primeiras declarações que se faz ao Louco que quer ser iniciado é (parafraseando):
“Para aprender terás de sofrer”.

Isto é, terás de sofrer tu, tu que queres iniciar o caminho da Wicca. E vais sofrer! Isto não é alegórico nem romântico!… É uma clara advertência do que sucederá daí em diante. Queres sofrer embora seja para aprender? Isto nada tem a ver com a “religião” que te vendem na maioria dos livros. Se o teu matrimônio tinha problemas subjacentes, é muito provável que ao começares este percurso iniciático, te enfrentes com aqueles problemas do casal que subitamente renascem dentro de ti. Se na tua vida há um conjunto de decisões que não foram tomadas ou foram adiadas, o mais provável é que a tomada de decisões seja acelerada. Se tens medos ocultos, cada ritual vai trazê-los para mais perto de ti… aos teus sonhos, à tua consciência. Se tu, leitor, pedes aos Deuses força física, não ta darão, irás provavelmente procurá-la num ginásio. Se pedes aos Deuses coragem, não te darão, colocar-te-ão no meio de uma “guerra”. Se queres ser Sacerdote, os Deuses não te darão o Sacerdócio, o que sucederá é que te verás imerso em situações nas quais vais ter de te expressar como Sacerdote. Isto se traduz em muitas possibilidades e vais castigar-te a ti próprio. Vais questionar, não só a existência dos Deuses mas também tua própria existência. Quem sabe se não irás descobrir que és ateu, como o descobriram muitos outros iniciados antes de ti e que mesmo assim ainda hoje praticam a Arte.

Muitos livros e páginas de internet escrevem que Wicca celebra 8 festivais, a chamada Roda do Ano, o que é correto. Em Wicca celebrarás e festejarás os ciclos de transformação da natureza, celebrarás a plantação e nascimento das flores e frutos, o crescimento das árvores e da erva, dançarás para honrar a Luz nascente e dançarás também para dar as boas vindas à morte, ao murchar das folhas e à escuridão da Terra. Descobrirás (se tiveres sorte) os Mistérios dos Deuses na Natureza que te rodeiam. Tudo isto, podes até já ter lido e, inclusivamente, pode ser que já tenhas tentado fazer as tuas primeiras celebrações no quarto da tua casa, no pátio, ou no meio do monte.

E dançarás, rirás e beberás vinho e compartilharás com as tuas irmãs e irmãos dentro do círculo mágico. Acaso tens idéia do que estarás a fazer? Não sejas ingênuo! Estarás a pedir aos gritos os mesmos processos dentro de ti: ao festejar o nascimento das flores estás a celebrar, chamando e acelerando, o nascimento de coisas novas dentro de ti e assim, o renascimento de tantos problemas e obstáculos que abandonaste no passado. Quando dançares pela morte e a escuridão, estarás a dançar e a catalisar as próprias mortes e fechos na tua alma e na tua vida; chegarás à conclusão de uma tomada de decisões em todas aquelas coisas sobre as quais nem sequer querias pensar. Se por um momento passar pela tua cabeça que esses rituais preciosos que estão nos livros somente celebram o externo, estarás a ser realmente ingênuo, pois cada um dos rituais da bela Roda do Ano é uma chamada para a transformação interna, uma chamada e uma celebração tanto do teu interior como do teu exterior. Celebras e danças, uma e outra vez, Sabbat após Sabbat, ano após ano, não só pelas coisas belas que sucedem na natureza que te rodeia, mas também pelas horrendas; pelas transformações que ocorreram, e por aquelas que ocorrerão na tua própria vida.

Ficaste sem trabalho, estás diante de um divórcio, tens uma crise existencial, uma depressão, não queres enfrentar os problemas da tua família, da tua casa ou do teu emprego: pois então vamos celebrar e, naturalmente, vamos catalisar tudo. Estás seguro de que é isto o que queres? Terás dentro de ti o suficiente para ultrapassar estas provas que tu mesmo escolheste?

Declaração Desmotivadora # 3.
Tudo aquilo pelo que passares no caminho iniciático terá sido uma escolha própria.

Somente tua, não podes culpar ninguém. Não será culpa dos Deuses que as coisas corram mal. Não será culpa dos Deuses que passes por um momento de crise ou até depressivo. Tudo isto é culpa tua, só tua. Não do coven, nem dos Sumos Sacerdotes e, certamente, não será das divindades. Foste tu quem escolheu o caminho, foste tu quem decidiu e quem quis conectar-se de forma ativa com o divino e começar o processo de transformação, estimulado e celebrado dentro da Wicca. Tu, que és maior de idade. Tu, que és adulto. Tu mudaste ao dar o passo e, se tu mudas, mudará a forma como verás as coisas ao teu redor. Não é a família que terá mudado, não é teu filho/filha. Foste tu e só tu. E com cada ritual que realizes, com cada exercício de invocação ou de banimento, com cada chamada da Deusa ou do Deus, vais dar um passo em direção à criação de uma barreira ou à destruição de outra. É um passo em frente até ao conhecimento de outras realidades. Um passo dado por ti e só por ti.

Declaração Desmotivadora # 4.
Não creias que estarás a fazer feitiços ou a invocar “coisas” no dia seguinte a ser iniciado.

Não esperes que, de repente, farás mover o mundo e que os seres se renderão perante ti. Não, nada disso. Um bom tempo ser a ler, a estudar, a fazer pequenos exercícios e rituais e a falar com os membros do coven, escutando aqueles que estão dentro do Conventículo há mais tempo. Mas não sejas ingênuo: estão a acontecer muitas coisas. A “mente do Coven”, a “energia do Coven” entrará dentro de ti cada vez que te encontres dentro do círculo e, esta energia, começará, por si mesma, a estimular as transformações. Nada dentro de um Coven é estático, tudo é dinâmico, tudo está em constante movimento. Pode acontecer que não “entendas” o que está a ocorrer, contudo, os restantes entenderão, e não só isto, eles estão a criar e projetar para todo o espaço no qual tu também estás. O Coven toca no teu mais íntimo lugar e chama ao teu interior com cada ritual realizado. Isto é complexo e assim o declararás desde o início. Pois tu, em Perfeito Amor e em Perfeita Confiança, farás parte de um grupo mágico e um grupo mágico é necessariamente um grupo no qual as transformações acontecem.

Declaração Desmotivadora # 5.
O Coven é uma família.

Sim, claro. Porém, como em todas as famílias, há discussões, distanciamentos, inimizades, desgostos e até separações. No final, somos e continuaremos a ser aqueles seres humanos com problemas, tabus, preconceitos, impressões equivocadas, egos e necessidade de reconhecimento. O Perfeito Amor e a Perfeita Confiança não implicam perfeição, mas antes pelo contrário, o reconhecimento de que meu irmão/irmã se pode equivocar e de que nesse processo eu também aprenderei. Aprenderei com os outros, como tem acontecido desde o início dos tempos.

É neste grupo, o Coven, que descobrirás que muitas das “visões” que te pareceram alucinantes e tremendas não são mais do que fantasias da tua mente ou jogos ocultos do teu subconsciente. Também será neste grupo onde descobrirás a importância do universo subjetivo e onde a tua individualidade será exaltada ao mesmo tempo que será exaltada a mente do grupo. Esta dicotomia não é um processo simples e nem sempre alegre.

Por outro lado, este mesmo grupo esperará de ti um certo comportamento, esperará que estejas presente nos Sabbats, Esbats, nos encontros de aprendizagem. Esperará que realizes determinados exercícios. Noutras palavras, estará a espera do teu compromisso, entrega e dedicação. Para as pessoas deste grupo, o que se faz é tão sério como qualquer outro evento das nossas vidas e não se está disposto a que outros considerem este tipo de trabalho como algo “extra” ou um “hobby”, mas sim, que seja realizado com disciplina e dedicação do mesmo modo como eles fazem. Serão tolerantes e compreensivos? Provavelmente. Mas isto não é o mesmo que serem paternalistas e permissivos.

Declaração Desmotivadora # 6.
O processo de aprendizagem e fazer “magia” não é “bonito”.

Fazer “magia” é, em última instância, criar transformações de acordo com a vontade. Agora, como imaginarás, há várias vontades e vários tipos de transformações. A magia é um veículo ou ferramenta para alcançar determinados propósitos. Da mesma forma que um cientista tem que dominar as técnicas de análise de dados, as teorias e as leis, e deve ser mestre das diversas ferramentas e equipamentos com os quais vai trabalhar, o iniciado, terá de dominar as suas próprias ferramentas, terá de conhecer as leis do mundo no qual funcionará, e terá de passar pelo processo de “sujar as mãos”, cometendo erros e repetindo ensaios. Aqui, vale a pena recordar a famosa declaração hermética: “ora, lê, lê, relê, trabalha e encontrarás”. Tudo o que fazes tem uma conseqüência e na arte mágica é inevitável levar-se uns quantos golpes, seja por querer fazer a melhor das sanações, como a pior das maldições. Logo descobrirás, e geralmente não com um sorriso nos teus lábios, que intenções, embora boas, podem criar a pior das respostas. As boas intenções não são a essência do êxito mágico.

Amigo leitor, tendo em conta o anteriormente “dito”, que é realmente uma parte minúscula de tudo quanto se pode dizer, acreditas querer passar por todo este processo? Não deixes que o teu ego se envolva na tua resposta. Agora, faço outra pergunta que se poderá considerar mais positiva: Vale a pena? Sim! Da mesma forma que vale a pena ter um filho, apesar de todas as dores do parto, ou da mesma forma que vale a pena correr em busca do amor, ainda que tendo sofrido desilusões. Todo o caminho valeu e vale a pena, mas só para aqueles que realmente o percorrem com consciência dos seus atos - pelo menos até onde a consciência é possível num determinado momento.

No entanto, e no ponto de vista de alguém que está dentro do processo, quando sou questionado por Aspirantes, suspiro e lembro-me da cena clássica de “Matrix” em que o herói, Neo, está diante da dura decisão de escolher entre a pílula Vermelha e a Azul. Se por um ato de loucura, decidires tomar a pílula Vermelha, é importante que saibas que jamais voltarás a ser aquele que era, sem importar quão longo seja o teu futuro dentro da Wicca, sem importar o quanto percorras nos seus Mistérios. Voltando ao diálogo inicial, a partir daí se definem dois caminhos: um primeiro caminho onde, depois de falar durante umas horas, dias ou semanas, a Suma Sacerdotisa jamais volte a ver o Aspirante e, o outro caminho é aquele em que, eventualmente, se marca uma data para levar a cabo o que será o Início. É importante ressaltar que, realmente, o Início é um princípio futuro.

Muitos são os iniciados que não continuam o Caminho da Arte Mágica. A Noite Escura da Alma desperta neles novos horizontes, em ocasiões bem diferentes daqueles que se seguem dentro da Wicca. Como já comentei, nunca mais serás o mesmo. No entanto, existirão outros iniciados nos quais as Noites Escuras da Alma (sim, há mais do que uma) se verão iluminadas por uma chama misteriosa que nasce, morre e ressuscita. Uma chama que só encontrarão no ciclo seguinte da Tradição. Todas estas pessoas, em qualquer dos seus momentos, eleições, e caminhos, lutarão consigo e com outros. Não há um caminho melhor ou pior. Não há um que está mais ou menos evoluído. Simplesmente é o caminho que tu decidirás seguir. E, uma vez mais, não deixes que o teu ego seja quem toma a decisão.


Sobre o autor: Eduardo Puente é Sumo Sacerdote da Tradição Alexandrina no Equador e também é iniciado na Ordem Aurum Solis e na Ordem Rosacruz.

Eduardo Puente (c) 2013. Todos os Direitos Reservados

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